Doenças e desmatamento ameaçam indígenas isolados na Amazônia

12/04/2012

A Funai já catalogou mais de 60 grupos de indígenas que ainda não tiveram contato com a vida externa, nos nove estados da região.

Foto: Gleilson Miranda/Governo do Acre



Juçara Menezes portalamazonia

MANAUS – As madeireiras e os garimpos ilegais são duas chagas na Amazônia. Além de degradarem o meio ambiente, os dois setores ameaçam outro patrimônio da região: os povos indígenas isolados. As terras Araribóia, Carú e Awa (no Maranhão) e a Yanomami (em Roraima e no Amazonas) apresentam os casos mais graves de riscos de invasão do território intacto.

Ao portalamazonia.com, a Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmou a existência de denúncias referentes a ameaças e exploração nas áreas onde vivem os povos isolados. O coordenador geral de Índios Isolados e Recente Contato da instituição, Carlos Travassos, assinalou a dificuldade em manter estes povos longe dos males do “homem branco”.

Um dos problemas dos indígenas isolados é a ausência da plena ocupação de seu território. “Estamos trabalhando muito e enfrentando grandes dificuldades para garantir as condições necessárias para estes povos viverem – e não somente sobreviverem”, disse o coordenador.

Sem ter o completo poder de sua terra nas mãos, as invasões dos garimpeiros e madeireiros à Terra Indígena Araribóia custou a vida de uma criança Awa, em janeiro deste ano. Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, Luis Pedrosa, a situação na área aponta para uma triste realidade. Em viagem à região, ele disse ter indícios que madeireiros chegaram ao território de caça dos Guajajara. “Os Awá andaram por lá, conforme relatos que já se tinha notícia. Eles disseram que os trabalhos de desmatamento tiveram início por volta de outubro do ano passado”, assinalou Pedrosa

A abertura da mata segue a mesma trilha de uma estrada de acesso, com o espaço necessário para a entrada de caminhões. Um relatório produzido por Pedrosa diz que os rastros dos pneus ainda eram visíveis até meados de janeiro, em alguns pontos ao redor da tribo.

Homologada em 1990, a Terra Indígena Araribóia tem cerca de 80 aldeias e uma população aproximada de 10 mil índios. Localizada na região Pré-Amazônica do Maranhão, tem uma extensão de 413 mil hectares, que atinge os municípios de Amarante, Arame, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Grajaú e Santa Luzia.


Em sobrevoo no Acre, a Funai registrou a roça e a maloca intacta. Foto: Mario Vilela/Funai/Divulgação

Garimpo ilegal a menos de 15 km de aldeia
Vicente Albernaz Coelho, do Instituto Socioambiental (ISA), também relata ameaças a grupos étnicos na região. Ele diz haver um garimpo ilegal a menos de 15 km do território Yanomami. “Somente a homologação da Terra Indígena – anunciada às vésperas da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em 1992, no Rio de Janeiro -, permitiu a permanência de índios isolados”, garantiu.

O monitoramento realizado pela Funai acontece somente com os povos cujo isolamento é confirmado. Cada referência desses povos encontra-se em um contexto específico, o que demanda diferentes formas e atividades para realizar o monitoramento. Primeiramente, é realizada a identificação das dinâmicas territoriais. Depois, a sistematização das informações sobre o grupo de índios isolados pelo menos uma vez ao ano (por meio de atividades de sobrevoo, expedições terrestre e fluviais). Posteriormente, o monitoramento acontece no entorno deste território, das populações que os circundam, suas condições de saúde, sua área de uso e ocupação territorial.

O coordenador da Funai explica que há diferenças nas políticas de proteção aos povos sem contato. “Quando andamos por determinada região, em atividades de localização ou fiscalização, levantamos uma série de informações sobre a presença deles. Acabamos por deixar rastros que também são notados”, disse Carlos Travassos. A interferência existe, mas também há o respeito pela autodeterminação dos povos. Além disso, a Fundação tem cuidado com as condições de alta vulnerabilidade existente na possibilidade do contato.

A saúde dos indígenas isolados

Foto: Gleilson Miranda/Governo do Acre



Quando o assunto é saúde, as consequências do contato podem ser avassaladoras. Não há interlocutores ou intermidiários entre os povos isolados de fato e a Funai. “Nestes casos, seria necessário o contato para que os agentes de saúde pudessem realizar a intervenção médica”, explicou o coordenador do órgão. A saúde dos indígenas é monitorada pela população do entorno. Caso haja o contato entre os isolados e essa população, as doenças serão o principal fator de morte entre os indígenas.


O secretário da Fundação de Vigilância em Saúde no Amazonas, Bernardino Albuquerque, salienta a afirmação de Travassos. Os indígenas fazem parte do grupo de risco por justamente por estarem em separado das áreas urbanas. “Eles não têm resistência à certas doenças que, para nós, são comuns, como gripes e resfriados. Por isso, os isolados terão prioridade quando houver a vacinação contra o vírus H1N1, em maio”, afirmou.

Funai descobre novos povos indígenas isolados

O coordenador Travassos confirmou a descoberta de novos povos isolados na Amazônia Brasileira. Apesar de assinalar o aumento, ele não adiantou quantas são as novas tribos, nem que em quais localidades estão. Pelo último dado oficial da Funai, apresentado no final do ano passado, há 68 povos indígenas na Amazônia vivendo sem contato com o homem branco. A única exceção está no Estado de Goiás.

Segundo os dados da Organização Não-Governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI), existem atualmente 74 referências (indícios e notícias) de índios isolados na Amazônia brasileira, a maioria em regiões transfronteiriças.
O número de referências destes índios está sendo atualizado pela Coordenação Geral de Índios Isolados e de Contato Recente (CGIIRC). A apresentação dos novos dados está prevista para meados de julho deste ano.

O coordenador explica que há um processo para a atualização dos dados sobre eles. “Temos um quadro com um banco de dados das informações dos isolados. Averiguamos tudo, realizamos um processo de qualificação e, então, reunimos em um documento”, assinalou. As informações são levadas aos encontros da Funai com os coordenadores das Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE). Durante as reuniões, em Brasília, as 12 FPE apresentam seus relatórios.

No Amazonas, existem cerca de 30 referências de índios isolados. A população de cada uma delas pode variar muito, de uma família a centenas de pessoas. Conforme o coordenador da Frente do Vale do Javari, Fabricio Amorim, na Terra Indígena Vale do Javari há um complexo de povos isolados, considerado como a maior concentração de grupos isolados na Amazônia e no mundo. Entre as principais ameaças à integridade desses grupos estão a pesca ilegal, a caça, a exploração madeireira, o garimpo, atividades agro-pastoris com grandes desflorestamentos, ações missionárias e situações de fronteira, como o narcotráfico.

“Outra situação que requer cuidados é a exploração de petróleo no Peru, que pode refletir na Terra Indígena do Vale do Javari”, finalizou.

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